Observar as tendências de UX pode ser interessante para encontrarmos inspiração ou mesmo oportunidades. Mas, até que ponto isso faz sentido?
As tendências manifestam o espírito do tempo, também conhecido como Zeitgeist. São as “vibes do momento”, vibrações captadas a partir da análise de sinais que indicam se o comportamento dos consumidores está seguindo este ou aquele caminho. Nenhuma área escapa: temos tendências arquitetônicas, tecnológicas e tendências de UX, por exemplo.
Vamos nos concentrar nesse último ponto: quem trabalha com UX e UI Design já percebeu similaridades entre aplicativos. Provavelmente você já topou com o “roxo Nubank”, o “verde Spotify” e todo tipo de degradê. Também já deve ter ouvido alguém falar que interfaces minimalistas, novas tecnologias e vários outros artifícios são “essenciais” para seu app, todo mundo tem que ter… certo?
Errado! Ao desenvolver um produto digital, não siga modismos. Reflita: essa tendência de UX faz sentido para o negócio? E para os usuários? São essas (e outras) respostas que irão nortear e garantir o sucesso do seu design - e não uma receita pronta. Vou te explicar porquê.
Tendências, tendências, modismos à parte.
Primeiro gostaria de lembrar as diferenças entre tendências e modismos. Usualmente, estes dois termos são utilizados como sinônimos. Mas, que trabalha com pesquisa de mercado sabe que não é bem assim. Como eu disse, as tendências traduzem o espírito do tempo. Ao contrário dos modismos, que duram meses ou mesmo semanas, as tendências têm duração de médio e longo prazo. A sustentabilidade, por exemplo, pode ser considerada uma tendência, pois desde os anos 90 influencia a concepção de produtos.
Enquanto as tendências são marcadas por mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais, os modismos são definidos pela própria indústria, que investe uma boa quantia para te convencer a adorar aquele laranja que, até o ano passado, você detestava. Isso quer dizer que todo artigo que te induz a adotar um certo estilo gráfico ou “A” tecnologia do momento está, na verdade, fazendo um enorme desserviço.
Uma das premissas do design é atender as necessidades dos usuários. Se você desenvolve um produto digital sem realmente compreender o que eles precisam, sem estudar o mercado e sem realizar testes, bem... Boa sorte! Suas chances de fracasso são grandes!
Não existe fórmula secreta, receita de bolo. Estes recursos podem servir como base para ideias iniciais ou como uma forma de “tirar a ferrugem” da equipe de criação nas primeiras rodadas de design, mas precisamos compreender que cada projeto de design é único. Portanto, ao pesquisar por tendências de UX, utilize-as apenas como referência, nunca como uma regra.
Se você fizer uma busca no Google vai encontrar várias tendências de UX para aplicar no seu produto digital. Como já recomendei acima: não faça isso!
Vou problematizar duas delas para que possamos refletir juntos. Veja:
Aqui a ideia é reduzir ao máximo a quantidade de elementos visuais para que a tela fique agradável. Ok, até aí tudo bem. O design tem como função eliminar barreiras e facilitar as nossas vidas, logo, um app abarrotado de informações não faz o menor sentido. Mas, quem é que define quais elementos são necessários?
Muitas vezes desenhamos uma interface que, aos nossos olhos, é perfeita e sem defeitos. Porém, quando o produto é lançado no mercado, se mostra pouco eficaz. O que aconteceu?
Não, seu usuário não é burro. Seu design é que deixou a desejar. Provavelmente, você não coletou informações suficientes e/ou validou sua ideia no início do projeto. Portanto, antes de remover notificações e se tornar um embaixador ou embaixadora do minimalismo, teste seu design com quem irá utilizá-lo.
Como designers, precisamos ficar de olho nas inovações tecnológicas. E, apesar da curiosidade ser uma de nossas maiores qualidades, não podemos ser ingênuos. Ao observar o mercado, veremos diversos produtos com inteligência artificial, machine learning e outras tecnologias emergentes surgirem por aí. Trabalhar em um projeto que envolva algumas delas é tentador. Afinal, quem não quer fugir do básico e criar algo disruptivo?
Mas, antes de concentrar esforços no desenvolvimento de um app com estas tecnologias, vale refletir: Seu time de design e desenvolvimento tem alguma experiência prévia com esta tecnologia? A empresa possui os recursos necessários para construir a solução? Poderá fazer atualizações e manutenções tranquilamente?
E mais: A tecnologia que você quer implementar no produto agrega valor no dia a dia dos usuários? Facilita tarefas? Gera algum tipo de conexão, possui um significado maior que não o status?
Não sei você, mas para mim não faz sentido ter um dispositivo com IA em casa só para me informar as horas. Isso é um desperdício! Tenho certeza que podemos romper com padrões sem, necessariamente, depender da “novíssima nova” tecnologia do momento.
Enquanto eu escrevia esse post, topei com um artigo maravilhoso do UX Collective que também critica a preocupação em seguir as tendências de UX.
Leia aqui.
Gabriel Pinheiro Maciel, autor do post, fez uma observação muito importante: projeções futuras podem nos ajudar a identificar pontos de atenção e oportunidades, mas, o que acontece quando o design deixa de ser uma estratégia (ou mesmo uma filosofia, como nos ensina Vilém Flusser) para se tornar uma série de modelos e "macetes"? Como estamos ensinando design aos futuros designers e, se me permitem acrescentar, às empresas pouco familiarizadas com o assunto?
Falamos tanto em "educar o mercado", "educar o cliente" para que reconheçam o valor do design, mas, ao mesmo tempo, esvaziamos seu significado quando reduzimos o design a padrões visuais e esquemas.
Portanto, não vamos esquecer sua verdadeira essência. Caso tenha se esquecido, vou refrescar sua memória com uma frase de Bruno Munari, de 1984:
“Design não tem estilo nenhum e a forma final dos seus objetos é o resultado lógico de um projeto que se propõe resolver da melhor maneira todos os componentes de um problema.”
Compreenda as necessidades dos seus usuários e do seu negócio, os fatores culturais, sociais e econômicos que influenciam o contexto para, então, criar soluções que gerem valor a longo prazo.